quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL E A HIPOCRISIA COLETIVA

Eu gostaria de ignorar os últimos acontecimentos do Palmeiras, fingir que não sei, não é comigo e fim. Afinal de contas, é comigo porque eu insisto nisso. Não precisava ser.

A agressão ao jogador João Vitor, que discutiu com torcedores e apanhou em frente à loja oficial do Palmeiras – não sei a participação dele na discussão, nem sua responsabilidade e de seus amigos na briga. Inclusive há informações sobre seu envolvimento em briga anterior, na qual ele bateu em um torcedor menor de idade, mas disso ninguém fala -, não me surpreende nem me choca. Deixo isso aos que não são acostumados com o futebol.

Evidente que sou contrária à agressão de jogadores e torcedores. Sou contrária à agressão física de qualquer ser humano – não importa o motivo. Mas não é preciso acompanhar futebol há muito tempo para, infelizmente, perceber o quanto isso é comum. E às vezes estamos tão acostumados a ver absurdos acontecendo, que não nos chocamos mais. Fica apenas a vontade de que um dia isso mude.

Tento me lembrar de acontecimentos do último ano, minha memória é falha, mas consigo visualizar torcida invadindo CT do Vasco e ameaçando jogadores, briga séria em jogo de algum campeonato sul americano (do Fluminense? Não me lembro), ameaças a jogadores de diversos times, problemas no Corinthians há algum tempo, o Fred do Fluminense ameaçado por torcedores, torcedor do Palmeiras baleado pela polícia, agressão ao João Vitor, colegas torcedores que apanharam – e isso não foi notícia oficial - de corintianos, de são paulinos, de palmeirenses...

E é nisso que me surpreendo, me sinto revoltada: a hipocrisia coletiva sobre atos de violência envolvendo futebol. Ontem li, calada, centenas de manifestações sobre a agressão ao João Vitor. Torcedores, jornalistas, pessoas que nem se importam com futebol (essas eu até entendo). A hipocrisia era geral. Como se fosse um evento isolado, não comum em diversos times, como se nunca tivesse acontecido. Pessoas falam como se o risco de morte, que jogadores e torcedores de futebol passam todos os dias, não fosse algo cotidiano.

O futebol é violento. Isso está na sua raiz. É violento no campo e fora dele. É no futebol que a pessoa libera sua agressividade, lá no meio da torcida, chegando muitas vezes ao limite do que seria absurdo em qualquer situação. Por essas características, o futebol já é um risco para torcedores e jogadores. Não é brincadeira, não é entretenimento. Futebol é coisa séria. Além de sério, é perigoso, já que envolve todos os mais extremos sentimentos de milhões de pessoas. Quem veste uma camisa de grande time de futebol, seja dentro ou fora de campo, está exposto aos riscos. A forma como os clubes, torcedores, jogadores e a imprensa lidam com esses sentimentos extremos só colabora para que o risco aumente. Se o futebol já é violento, ele não precisa chegar ao nível que vivenciamos em situações como essa, mas para isso devemos assumir nossas responsabilidades.

Se às vezes vemos jogadores apanhando de torcedores, se sempre vemos torcedores apanhando de outros torcedores ou da polícia, algo está errado. Não há erros apenas no Palmeiras, ou na torcida – seja como um todo, ou parte dela, apenas na polícia, apenas no jogador, apenas nos jornalistas e comentaristas envolvidos. Todos deveriam assumir nossa parcela de colaboração para extremar esses sentimentos violentos que o futebol causa: é o que fazemos invés de controla-los ao nível aceitável para que ninguém se machuque – por fora, já que por dentro o Palmeiras me destrói a cada dia.

O “nada justifica a agressão” é a frase preferida de quem não quer discutir e resolver o problema. Nada justifica, mas ela acontece, jamais deixará de acontecer e só vai aumentar se todos agirem como você que evita buscar soluções sob a sombra de um “nada justifica”. Jogadores e torcedores não ficarão livres de brigas, assim como jamais seremos livres de notícias sobre violência familiar, por exemplo. A violência está inevitavelmente relacionada à paixão. A diferença entre quem a pratica e quem que apenas sente vontade é o autocontrole.

Controlar os desejos violentos é dever do torcedor, mas muita coisa colabora para atrapalhá-lo. Que atire a primeira pedra quem nunca quis agredir um jogador que foi exposto como ídolo, sem ter feito grande coisa, e depois apenas decepcionou quem esperou dele a salvação do time. Culpa apenas do torcedor “inocente” (mas também irracionalmente apaixonado), ou do clube, jogador, patrocinador e imprensa que, cada qual ao seu modo, promoveu a exposição excessiva do cara em busca de dinheiro e fama? Culpa do torcedor, que na busca do prazer ignorou a diferença entre propaganda/marketing e vitória, ou dos “publicitários” que alcançaram o objetivo, fazendo um jogador comum vender milhões? Culpa de todos.

Será mesmo que jogador que faz juras de amor, e depois até assume que deixou de se comprometer (sua responsabilidade, não por conta das juras de amor, mas como profissional), não incita violência em torcedores apaixonados que torceram por ele, compraram camisa, compraram boneco, passaram vergonha? Você acredita que um clube que divulga informações ao invés de resolve-las internamente, não coloca “lenha na fogueira” de quem já está com a cabeça quente? Você realmente acredita que a imprensa, que sempre faz dos problemas e fofocas um evento dramático e repetitivo, não colabora para a violência que está ali “esperando um empurrão”? E jogador que compra briga, ao invés de “fugir dela”, quando torcedor o aborda pedindo melhor desempenho? É como achar que a amante não tem culpa por ficar com alguém que sabia ser casado – coitada, morreu inocente pela ciumenta doida. É como acreditar que o adolescente que fica ali, o tempo todo alimentando ódio por meio de provocações, não tem parcela de culpa por apanhar na escola. É como acreditar que quem faz a fofoca não tem culpa pela briga do casal.

O torcedor apaixonado é necessário ao futebol, principalmente ao futebol moderno, que precisa sempre de mais e mais dinheiro. Por isso os clubes, patrocinadores e imprensa “precisam” manter o fanatismo. Mas o torcedor apaixonado é uma bomba. Ele precisa se controlar dia a dia, principalmente quando o seu time enfrenta problemas. Quem lida com ele, precisa saber lidar com bombas. Mas quem lida com ele está mais interessado em explorar seus sentimentos extremados de forma irresponsável. Se ele fizer merda depois, culpa dele, não é um “verdadeiro torcedor”. Quando algo está para pegar fogo, e destruir, quem colabora para acender a chama inicial é tão responsável pela destruição quanto qualquer outro.

Claro que isso tudo não tira a culpa de quem aborda jogador pra briga, ou de quem aceita a provocação – como, pelo visto, foi a atitude de João Vitor e seus amigos. Lamentável, mas não é a primeira vez, não será a última, muito menos é a situação que mais me preocupa. Nem falei sobre a questão da intolerância entre torcedores de times rivais...

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Quando o Palmeiras me faz chorar

No início de 1993 eu tinha 5 anos. Era apaixonada por futebol, sobretudo pelo Palmeiras, na medida em que uma menina de 5 anos pode ser. Uma prima, típica torcedora da camisa do Jardim Leonor, me convenceu de que Palmeiras jamais havia sido campeão. Na minha inocência, acreditei. Na minha inocência, considerei a sugestão de virar a casaca. Perdi a inocência vendo meu pai chorar ao tentar me explicar: o Palmeiras era “mais campeão” que o timinho dela. Isso eu veria um dia, se soubesse esperar. Naquele dia entendi que meu time é meu time, não importa em qual situação. Jamais senti vergonha da minha camisa, na época tão saudosa da vitória que alguns ousavam dizer “nunca foi campeão”.

Meses depois, eu já tinha 6 anos, vi e comemorei a vitória imortalizada pelos pés de Evair. Ele usava uma camisa, a minha preferida de todos os tempos, e creio que será a favorita até o fim de minha vida, que eu juro ter sido minha primeira camisa. Talvez seja sonho meu...

Hoje vi um vulto dessa camisa em campo. E embora tenha visto, também, um jogo desesperado em busca de vitória, de classificação e superação de um resultado ruim, não pude deixar de chorar ao vê-la envergada por gente de tão baixa categoria. Alguns homens deveriam ser privados de manchar lembranças tão importantes, de manchar minha mais bela lembrança do escudo que ela carrega. Mas eles estavam lá. Lutaram contra seus próprios limites, venceram e saíram perdedores. Mas nada do que aconteceu naqueles 90 minutos apaga os 90 vergonhosos martírios anteriores, quando perdemos vergonhosamente no primeiro jogo. Aliás, a vergonha não poderia ser melhor coroada: gol de Jumar é algo que jamais vou aceitar.

Vergonha maior é ver torcedores comemorando uma desclassificação, que “o time jogou bem”, que “Valdívia voltou”, que “enfim fizemos três gols”... Se fossem adolescentes, que infelizmente talvez não saibam o que é o Palmeiras, eu entenderia. Mas são pessoas que viram até mesmo o que eu não vi: privilegiados dos tempos de Ademir da Guia e todos aqueles nomes memoráveis da década em que o Divino abrilhantou a camisa esmeralda de Palestra Itália...

Vejo pessoas comemorando vergonhas. Vejo pessoas dizendo que “não se pode criticar que é pior”. Vejo pessoas me massacrando por eu ter agido simplesmente como torcedora, reclamando após uma derrota. Hoje em dia não se pode reclamar, não é correto criticar, lamentar derrota é motivo para levar bronca, chamar jogador pelo nome é crime. Não pode, atrapalha o time, incentiva violência, é motivo para eu virar torcedora do Barcelona porque sou modinha.

Eu sou do tempo em que torcedor era aquele que sabia todos os palavrões possíveis para ofender o cara, a família, os ancestrais e, principalmente, a mãe do técnico e dos jogadores, não apenas do juiz, sem necessariamente ser o rei dos amendoins – mas apenas como um torcedor apaixonado comum, que às vezes perde a paciência e com razão. Sou do tempo em que torcedor era aquele que chorava com derrota ao invés de comemorar eliminação. Sou do tipo que acredita que, para apoiar, deve-se ir ao estádio, coisa que infelizmente raramente posso fazer. Torcedor no sofá, ou no twitter, não tem poder de atrapalhar ou incentivar o time. Torcedor tem direito de não se conformar, de chorar uma derrota vergonhosa, de reclamar daqueles que recebem milhões - possíveis apenas pela força da paixão de quem em troca só recebe frustrações.

Mas hoje ouvi um aluno dizer “credo, que absurdo”, ao ouvir que adoro ir ao estádio ficar uma hora e meia de pé enquanto canto, vibro, e apoio meu time. Hoje, após uma eliminação deprimente, fui privada de reclamar minhas dores. É proibido reclamar. Criticar é crime. Torcedor inconformado com derrota não tem lugar nessa torcida (e nem queremos) de gente que só apoia, apoia, apoia, apoia, apoia, sem críticas, do alto de seus teclados – ferramenta decisiva em qualquer decisão de campeonato, aliás. E eles dão tanto apoio, eles são tão importantes e decisivos, que vejam o resultado: tivemos hoje uma excelente vitória contra o Vasco da Gama de Jumar e Diego Souza.

Claro que vou continuar por aqui, o Palmeiras não me perde fácil, muito menos por gente medíocre. Vou continuar aqui, mas hoje sei que não há mais lugar pra mim. Não há lugar para pessoas como eu, porque o correto é nunca, jamais, demonstrar decepção.

Quem comemora derrotas não precisa de vitórias. Esses merecem o time que temos. Que me desculpem, assumo meu erro imenso e imperdoável, de ainda sonhar em ver o Palmeiras campeão. E sinto muito, mas para pessoas como eu, uma simples vitória de 3x1, que sequer dá classificação na primeira fase de um campeonato, não é suficiente.

Em tempo: Já é dia de Palmeiras, que nem sempre me faz sorrir, mas que sempre será o meu Palmeiras.Como quando eu tinha 5 anos, hoje ouço gente dizer que "parece que o Palmeiras jamais será campeão novamente". Bobagem. Não deixarei de ter esperanças no Palmeiras, quem me tira as esperanças são alguns que vestem sua camisa e beijam seu escudo. Mas no fim das contas, o que resta é sonhar, pois um torcedor de futebol nada mais é do que um louco apaixonado e sonhador. E quando as vitórias voltarem, quem sabe a lembrança da camisa não ajude, comemoraremos todos nós, os que reclamam e os que "apoiam". É o que importa.

Parabéns, Palmeiras. Agradeço, com carinho, a todos os que me fizeram rir, ou chorar de alegria, por esses 97 anos de histórias.