No início de 1993 eu tinha 5 anos. Era apaixonada por futebol, sobretudo pelo Palmeiras, na medida em que uma menina de 5 anos pode ser. Uma prima, típica torcedora da camisa do Jardim Leonor, me convenceu de que Palmeiras jamais havia sido campeão. Na minha inocência, acreditei. Na minha inocência, considerei a sugestão de virar a casaca. Perdi a inocência vendo meu pai chorar ao tentar me explicar: o Palmeiras era “mais campeão” que o timinho dela. Isso eu veria um dia, se soubesse esperar. Naquele dia entendi que meu time é meu time, não importa em qual situação. Jamais senti vergonha da minha camisa, na época tão saudosa da vitória que alguns ousavam dizer “nunca foi campeão”.
Meses depois, eu já tinha 6 anos, vi e comemorei a vitória imortalizada pelos pés de Evair. Ele usava uma camisa, a minha preferida de todos os tempos, e creio que será a favorita até o fim de minha vida, que eu juro ter sido minha primeira camisa. Talvez seja sonho meu...
Hoje vi um vulto dessa camisa em campo. E embora tenha visto, também, um jogo desesperado em busca de vitória, de classificação e superação de um resultado ruim, não pude deixar de chorar ao vê-la envergada por gente de tão baixa categoria. Alguns homens deveriam ser privados de manchar lembranças tão importantes, de manchar minha mais bela lembrança do escudo que ela carrega. Mas eles estavam lá. Lutaram contra seus próprios limites, venceram e saíram perdedores. Mas nada do que aconteceu naqueles 90 minutos apaga os 90 vergonhosos martírios anteriores, quando perdemos vergonhosamente no primeiro jogo. Aliás, a vergonha não poderia ser melhor coroada: gol de Jumar é algo que jamais vou aceitar.
Vergonha maior é ver torcedores comemorando uma desclassificação, que “o time jogou bem”, que “Valdívia voltou”, que “enfim fizemos três gols”... Se fossem adolescentes, que infelizmente talvez não saibam o que é o Palmeiras, eu entenderia. Mas são pessoas que viram até mesmo o que eu não vi: privilegiados dos tempos de Ademir da Guia e todos aqueles nomes memoráveis da década em que o Divino abrilhantou a camisa esmeralda de Palestra Itália...
Vejo pessoas comemorando vergonhas. Vejo pessoas dizendo que “não se pode criticar que é pior”. Vejo pessoas me massacrando por eu ter agido simplesmente como torcedora, reclamando após uma derrota. Hoje em dia não se pode reclamar, não é correto criticar, lamentar derrota é motivo para levar bronca, chamar jogador pelo nome é crime. Não pode, atrapalha o time, incentiva violência, é motivo para eu virar torcedora do Barcelona porque sou modinha.
Eu sou do tempo em que torcedor era aquele que sabia todos os palavrões possíveis para ofender o cara, a família, os ancestrais e, principalmente, a mãe do técnico e dos jogadores, não apenas do juiz, sem necessariamente ser o rei dos amendoins – mas apenas como um torcedor apaixonado comum, que às vezes perde a paciência e com razão. Sou do tempo em que torcedor era aquele que chorava com derrota ao invés de comemorar eliminação. Sou do tipo que acredita que, para apoiar, deve-se ir ao estádio, coisa que infelizmente raramente posso fazer. Torcedor no sofá, ou no twitter, não tem poder de atrapalhar ou incentivar o time. Torcedor tem direito de não se conformar, de chorar uma derrota vergonhosa, de reclamar daqueles que recebem milhões - possíveis apenas pela força da paixão de quem em troca só recebe frustrações.
Mas hoje ouvi um aluno dizer “credo, que absurdo”, ao ouvir que adoro ir ao estádio ficar uma hora e meia de pé enquanto canto, vibro, e apoio meu time. Hoje, após uma eliminação deprimente, fui privada de reclamar minhas dores. É proibido reclamar. Criticar é crime. Torcedor inconformado com derrota não tem lugar nessa torcida (e nem queremos) de gente que só apoia, apoia, apoia, apoia, apoia, sem críticas, do alto de seus teclados – ferramenta decisiva em qualquer decisão de campeonato, aliás. E eles dão tanto apoio, eles são tão importantes e decisivos, que vejam o resultado: tivemos hoje uma excelente vitória contra o Vasco da Gama de Jumar e Diego Souza.
Claro que vou continuar por aqui, o Palmeiras não me perde fácil, muito menos por gente medíocre. Vou continuar aqui, mas hoje sei que não há mais lugar pra mim. Não há lugar para pessoas como eu, porque o correto é nunca, jamais, demonstrar decepção.
Quem comemora derrotas não precisa de vitórias. Esses merecem o time que temos. Que me desculpem, assumo meu erro imenso e imperdoável, de ainda sonhar em ver o Palmeiras campeão. E sinto muito, mas para pessoas como eu, uma simples vitória de 3x1, que sequer dá classificação na primeira fase de um campeonato, não é suficiente.
Em tempo: Já é dia de Palmeiras, que nem sempre me faz sorrir, mas que sempre será o meu Palmeiras.Como quando eu tinha 5 anos, hoje ouço gente dizer que "parece que o Palmeiras jamais será campeão novamente". Bobagem. Não deixarei de ter esperanças no Palmeiras, quem me tira as esperanças são alguns que vestem sua camisa e beijam seu escudo. Mas no fim das contas, o que resta é sonhar, pois um torcedor de futebol nada mais é do que um louco apaixonado e sonhador. E quando as vitórias voltarem, quem sabe a lembrança da camisa não ajude, comemoraremos todos nós, os que reclamam e os que "apoiam". É o que importa.
Parabéns, Palmeiras. Agradeço, com carinho, a todos os que me fizeram rir, ou chorar de alegria, por esses 97 anos de histórias.